O crime da Penha e o mártir da abolição da escravatura

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em 10 de fev. de 2018
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Um dos crimes de maior repercussão no final do século XIX aconteceu na pequena cidade de Penha do Rio do Peixe (atual Itapira), no interior de São Paulo. Uma típica cidade paulista, surgida em torno de antigos caminhos de bandeirantes, que floresce a partir de 1820. Na região da mogiana, a cerca de 170km da capital, a Penha, como era conhecida, tinha sua economia baseada na cultura cafeeira, obviamente tocados por mão de obra escrava. Poderosas famílias se instalaram na cidade ainda na primeira metade dos anos 1800. Entre elas, destacam-se os Araújo Cintra, que através de seu patriarca, João Baptista de Araújo Cintra, nascido em Atibaia, enriqueceram na Penha do Rio do Peixe, adquirindo fazendas e explorando a mão de obra escrava. Sabe-se que, em 1874, o número de escravos vivendo na cidade girava em torno dos 1300 (mil e trezentos).

Nascido em 29 de agosto de 1855, na cidade vizinha de Mogi Mirim, Joaquim Firmino de Araújo Cunha assume o cargo de Delegado de Polícia da Penha do Rio do Peixe no dia 19 de setembro de 1885. Casado com Valeriana Rodrigues de Alvarenga Cunha, tiveram os filhos: Antonieta, Adornino, Agenor e Julieta.

O movimento abolicionista na cidade de Mogi Mirim teve início com a publicação de artigos sobre o tema já na primeira edição do jornal “A Gazeta de Mogi Mirim”, em 20 de junho de 1886. Nesta data, fundou-se também o Clube Cosmopolita, relacionado ao abolicionismo, com a participação de Joaquim Firmino de Araújo Cunha, Ulisses Sarmento e Antônio Paiva, todos moradores de Mogi. Em pouco tempo, as ideias abolicionistas chegaram à cidade da Penha do Rio do Peixe, inclusive, através de reuniões públicas no Largo da Matriz e na cidade vizinha de Amparo. Soma-se ao fato de que o delegado Joaquim Firmino se negava a caçar e prender os escravos fugidos das fazendas e ainda acobertava diversas fugas, recolhendo os fugitivos para dentro de sua própria casa. Neste mesmo ano, Firmino Gonçalves Bairral, um negociante local, processa o delegado Joaquim Firmino por tê-lo prendido após uma briga com outro cidadão. Alega ainda que foi espancado por ordem do delegado durante as horas em que ficou preso. Este era apenas mais um dos desafetos de Joaquim Firmino de Araújo Cunha. Com o passar dos meses, as atitudes do delegado irritaram cada vez mais os fazendeiros locais. 

Em janeiro de 1888, Joaquim Firmino de Araújo Cunha, declara aos fazendeiros que a Polícia não é destinada à caça de escravos fugitivos. Contrariados, vão à Mogi Mirim e conseguem contratar um advogado para defender suas pretensões. Joaquim Firmino resiste a todas as solicitações, afrontando a todos os poderosos fazendeiros e conservando-se firme na sua declaração anterior. Relatos apontam o apoio do padre Agostinho Gomes da Costa, vigário da Penha ao delegado, colaborando com o encobrimento das fugas e encaminhando os escravos fugitivos para o quilombo “Jabaquara” na cidade de Santos. Os mesmos relatos sugerem que, sabendo das intenções dos fazendeiros em “dar um susto” no delegado, padre Agostinho informa Joaquim Firmino sobre os planos, que simplesmente os ignora.

Nas primeiras horas de sábado, 11 de fevereiro de 1888, cerca de 200 pessoas se reuniram no bairro do Cubatão nas proximidades do Morro do Macumbê, armadas com facas, espingardas e porretes, recolhendo os cavalos em diversas casas próximas. Por volta das 3h da manhã, seguiram até o centro da cidade, nas proximidades da Rua do Comércio, onde residia Joaquim Firmino de Araújo Cunha. A pé, o grupo se dividiu, cercando a casa do delegado pela frente e pelos fundos. Imediatamente, diversos tiros foram dados, deixando as paredes, porta e janelas crivadas de balas, instalando o caos. O grupo que estava posicionado nos fundos da casa força o portão e a invade, pela frente, a porta e as janelas são arrombadas. 

Acordada pelo barulho dos tiros, Valeriana, que dormia com seus filhos no quarto dos fundos, encontra seu marido Joaquim Firmino na varanda. Ele imediatamente ordena que ela se salve, junto com as crianças. Neste momento, muitas pessoas estavam dentro da casa, procurando pelo delegado. Valeriana, fugindo para o quintal, armada com um revólver e uma garrucha, pulou pela janela do seu quarto, a uma altura de três metros e meio, sofrendo escoriações. Dentro da casa estavam: Joaquim, Valeriana e seus quatro filhos, Maria Custódia e outra Maria, duas escravas domésticas do casal e dois escravos fugitivos de nome Sebastião e José, que desapareceram após o assassinato. A esposa do delegado se escondeu então dentro de um forno e não viu a morte do marido, apenas ouviu e reconheceu a voz de alguns agressores. Em depoimento, a filha Julieta, de 9 anos disse que permaneceu no quarto e no corredor da cozinha, não vendo o momento da morte do pai, mas apenas ouvindo as agressões. Disse ainda que se ajoelhou aos pés do agressor José Venâncio, pedindo para que não matasse seu pai.

Ao ver Valeriana pular pela janela, Joaquim Firmino, impedido de fugir pela porta do quintal, pois a escada estava abarrotada de invasores, pulou a janela do quarto, tentando alcançar o quintal de seu vizinho, escorregando, caiu em seu próprio quintal. Imediatamente, os invasores atacaram a vítima com chutes e pancadas. Joaquim Firmino de Araújo Cunha foi brutalmente assassinado.

O mandante do crime: um americano ex-Confederado

Neste momento, entram em cena dois personagens até então inimagináveis: James Hankins Warne (ou pelo apelido de Boi) e John Jackson Klink, dois emigrantes do sul dos Estados Unidos. Após a Guerra Civil americana, os ex-combatentes do exército Confederado seguiram a onda de emigrantes americanos que vinham para se estabelecer no Império Brasileiro.

Warne nasce na cidade de Somersetshire, sudoeste da Inglaterra. Segundo a revista “The Economist”, Warne era de família moderadamente abastada que partiu para os Estados Unidos na década de 1850, assumindo uma companhia de mineração de estanho no Tennessee, partindo posteriormente para a Carolina do Norte e perdendo todo seu investimento em uma mina de ouro vazia. Após estudar na Filadélfia e cursar medicina em Nashville, James Warne se alista como cirurgião no 39º Regimento da Carolina do Norte em abril de 1962, sendo dispensado no ano seguinte. Após o fim da Guerra Civil, parte para o Brasil que na época acolheu milhares de americanos sulistas.

Após trabalhar na região de Bragança, Warne muda-se para a cidade paulista de Atibaia, onde se casa com Joaquina de Araújo Cintra, rica sobrinha de João Baptista de Araújo Cintra, aquele fazendeiro dono de escravos que enriqueceu na Penha do Rio do Peixe, citado no início deste texto. Transferindo-se para a cidade da Penha, o casal adquire a fazenda “São Joaquim”, pertencente ao sogro de James Warne. Após clinicar por alguns anos, Warne se dedicou totalmente à agricultura, tendo a fama de ser um dos primeiros agricultores locais a importar arado de disco, desconhecido no Brasil por aqueles tempos.

Devido a todo esse prestígio local, a convicções de um veterano Confederado e talvez a certo orgulho e sentimento de superioridade em relação aos locais, James Warne convence os fazendeiros locais a se vingarem do delegado. Na noite do crime, testemunhas afirmaram que Warne e Klink incitavam seus capangas pedindo “rios de sangue” e que James Warne “parecia tomado de fúria louca”. 

O Crime da Penha ficou conhecido por todo o império, principalmente através da imprensa abolicionista, que usou a morte de Joaquim Firmino de Araújo Cunha como bandeira de sua causa, transformando-o em um mártir. Apenas três meses depois, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assina a Lei Áurea, decretando a libertação de todos os escravos. Somado aos grupos abolicionistas e suas manifestações, às fugas em massa de escravos, à atuação dos quilombos e todo o movimento em torno da Abolição, o assassinato do delegado de polícia Joaquim Firmino de Araújo Cunha foi um dos fatores que contribuíram diretamente para este decreto.

* Eric Apolinário, coordenador do Museu Histórico de Itapira 

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